O anel
 



Contos

O anel

Regina Célia Campana


O dia em que minha irmã, a mais velha, se formou, nosso pai deu a ela uma caixinha de veludo cor de vinho. Ali estava o anel de formatura. Eu não sabia o que significava “formatura”, mas tinha a percepção de que era algo muito importante. Lembro de ter esticado a mão, numa expectativa, que ele o desse a mim. Todos riram. Fiquei com um misto de emoções, não sei nem explicar. Fugi dali o mais rápido que pude, atravessando a sala, me refugiei no quarto. Lembro bem o quanto eu desejava também ter um anel de formatura.

Com algumas moedas que papai me deu, comprei, como prêmio de consolação, um anelzinho com pedra de plástico, que vinha junto com uma bala horrível, comprada no recreio, lá no barzinho da escola. Disputei valentemente, com alunos mais velhos, um lugar à frente do balcão do bar. A cena pareceu-me em câmera lenta, quando vi a moça me entregar a bala. Meus olhos quase saltaram, averiguando se o anel estava junto.

Cuidei daquela falsa joia com muito cuidado e esmero, até que os anos foram passando, e nem lembrava mais que fim havia tido aquela peça tão preciosa.

Chegou a minha vez. Me formei e lastimei profundamente que meu pai já houvesse falecido. Não poderia, portanto, estar presente neste dia tão importante. Sempre fora um sonho que ele pudesse, desta vez, dá-lo a mim.

Os anos passaram, e segui levando a vida. Não casei muito cedo, mas cedo precisei mudar da casa de minha mãe, depois que ela faleceu. Meus irmãos queriam vender logo a propriedade, para rachar o dinheiro. Foram momentos difíceis aqueles. As despesas aumentaram e precisei lançar mão do anel de formatura, que nunca saíra de meu dedo.

Penhorei-o, com muita dor no coração, mas foi necessário. Aquele meu anel maravilhoso, que no final, fui eu mesma quem me deu, agora salvava minha situação.

Foi desesperadora a luta para poder resgatá-lo. Juntei cada centavo, gastando menos que o essencial, só aguardando a data. Finalmente chegou o grande dia. O dia do resgate. Tinha o dinheiro contado. Contadinho.

Não adiantaria sair cedo, pois o banco ainda estaria fechado. De qualquer forma, tomei um café e saí, pegando a condução para o centro da cidade.

O grande momento.

Pago o resgate, o funcionário me alcançou a caixinha. Rapidamente a abri para verificar se o anel permanecia ali. Logo o coloquei no dedo e saí feliz, com um grande alivio, de novamente estar de posse da minha peça preciosa.

Desci a avenida, distraída, indo em direção à parada do ônibus, quando senti um tranco no ombro. Alguém esbarrara em mim se encostando em meu braço. Apontou uma arma em minhas costelas, pedindo que tirasse a joia e a entregasse.

***

Regina Célia Campana é formada em Artes Plásticas pela Escola de Artes Visuais, antigo Instituto de Belas Artes, no Parque Lage, Rio de Janeiro. Estudou Psicologia na Ulbra. Ministrou aulas de Desenho e Percepção Visual, como fundamento do desenho, no Centro Municipal de Cultura, em Gramado. Participou de várias oficinas de Criação literária e de Formação de Escritores, na Editora Metamorfose. É autora de contos que foram publicados, em parceria com outros escritores, pela mesma editora.

 

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